Na próxima sexta-feira começa mais uma Copa do Mundo e o país praticamente pára nos dias de jogos da seleção brasileira. Durante um mês o assunto não é outro senão futebol.
No universo do turfe, claro, também existem torcedores e, nesta época, as paixões pessoais dão lugar ao amor pela seleção, que nos deixou mal-acostumados por ter arrebatado o caneco cinco vezes.
De quatro em quatro anos a emoção bate forte nos corações brasileiros. Até mesmo quem não liga muito para o futebol vira torcedor fervoroso e não há como escapar do tema. Na Copa de 82, quando nossa seleção exibiu um futebol-arte que encantou o mundo e, ao mesmo tempo, transformou-se numa grande tristeza, pela abominável “Tragédia do Sarriá”, surgiu um torcedor especial.
Foi criado por uma empresa ligada ao ramo das lâminas de barbear e entrou para a história como uma das mais bem boladas ações de marketing do futebol brasileiro. Pena que o Brasil não foi campeão e os “gozadores de plantão” quase o crucificaram. No RAIA LEVE, vamos conhecer a história do Pacheco.
A jogada de marketing que nasceu quase dois anos antes da Copa do Mundo
Ao final do ano de 1980, a Gillette do Brasil contava com os serviços da agência de publicidade Alcântara Machado e, sempre de olho no consumidor, surgiu a idéia da criação de um personagem, bem brasileiro, que representasse uma unanimidade. E nada mais popular que o futebol. Nasceu, então, o Pacheco, camisa 12, torcedor símbolo da seleção brasileira. A partir da idéia prontamente aprovada, criou-se o boneco para a campanha publicitária. Uma marchinha de carnaval foi composta e a propaganda institucional passou a ser divulgada pelas rádios e pela televisão, nesta em forma de desenho animado.
O sucesso superou a expectativa
O Pacheco acabou se tornando celebridade, as vendas do produto aumentaram e os diretores da empresa decidiram levar o projeto ainda mais adiante. O torcedor símbolo da seleção tinha que deixar de ser apenas um boneco para se tornar de carne e osso. Principalmente, pelo fato de que a Copa do Mundo de 82 estava tão próxima. Mas, e agora, como escolher aquele que melhor representaria o Pacheco?
A resposta veio rápida, dentro da própria empresa
No Departamento de Marketing da Gillette do Brasil havia um funcionário, ligado à área de vendas, que despertou a atenção dos diretores. Além de ser da casa, era cronista de turfe e considerado um “boa praça” por todos os colegas. Num determinado dia, em janeiro de 82, chamaram-no à diretoria. Muito desconfiado, começou a pensar se fizera alguma coisa de errado. Ao entrar na sala, deparou-se com vários diretores e sua chefe direta e, naquele instante, todos começaram a rir de forma incontida. Pronto, uma coleção de pulgas apareceu atrás da sua orelha. Imaginou que algo havia acontecido e chegou a conferir se não estava com a roupa rasgada ou coisa do gênero.
A surpresa foi ainda maior
Diante daquele festival de risadas, o funcionário não se conteve e perguntou o que estava acontecendo. Ouviu do diretor geral da empresa: “Natan Pacanowski, você será o Pacheco e vai para a Espanha”. O susto foi grande; ele não acreditou. Depois de informado que fora escolhido para representar a firma como o torcedor símbolo do Brasil na Copa de 82, Natan quase desmaiou. Após conversar com a família e acertar os detalhes, partiu para a criação do personagem.
Tudo aconteceu muito rápido
A Gillete do Brasil fez um contrato com a CBF, ficando acertado que o Pacheco participaria de toda a preparação da seleção e, inclusive, viajaria junto com a delegação. Um estilista, responsável pelos figurinos do Sítio do Pica-Pau Amarelo, da Rede Globo, foi o criador da fantasia e da máscara do Pacheco, que passou a aparecer em público, incógnito e chegou a animar bailes de carnaval daquele ano. Pacheco, conhecido nas propagandas através de um boneco, havia tomado forma humana e fazia um sucesso inigualável na mídia.
A despedida e um show, em Uberlândia
O jogo de despedida da seleção aconteceu em Uberlândia, contra a Irlanda, e foi a primeira aparição do personagem junto ao time brasileiro. Chovia muito, o estádio estava cheio, inclusive, com a presença do presidente João Figueiredo. Antes do jogo, caracterizado, Natan entrou no campo e deu uma corrida. Com o gramado molhado, escorregou e caiu de pernas para o ar. Nas arquibancadas o povo delirava, aplaudia e alguns, mais gozadores, gritavam: “Olha o palhaço do Pacheco, caiu de maduro”...
O cumprimento do presidente foi marcante
Na volta ao Rio, ainda no aeroporto, Natan, caracterizado de Pacheco, recebeu os cumprimentos do presidente, que desejou boa sorte a ele na Espanha. Pediu-lhe que agitasse muito a torcida brasileira e representasse o país nas partidas. O homem da “Boa do Poeta” conta que tremeu nas bases e que aquele foi um momento emocionante.
Na viagem para a Espanha, mordomias e uma “volta” de Serginho Chulapa
Dentro do contrato da Gillette com a CBF constavam algumas mordomias para o Pacheco, como, por exemplo, uma área separada no avião para que ele se trocasse (ainda estava incógnito) e atendimento VIP. Natan afirma que aquilo tudo era um sonho. Narra passagens engraçadas no vôo Rio-Lisboa, de dez horas, uma delas envolvendo o jogador Serginho Chulapa, hoje assistente técnico de Luxemburgo, no Santos. Serginho sentou-se ao seu lado e viu que Natan fumava um cigarro Hollywood. O atacante, fissurado, argumentou que Telê proibira os jogadores de fumar e ele já estava que não se agüentava. Ao saber que Pacheco levava três pacotes de Hollywood, na bagagem, propôs uma troca:
- Pacheco, você me dá uns cinco maços e eu lhe dou a camisa de nosso primeiro jogo. Natan aceitou prontamente e até hoje espera pela camisa de Serginho.
Serginho também aprontou com Faustão e quase sai briga
O espírito irreverente de Chulapa quase causou problemas durante a viagem. Fausto Silva, o Faustão, era repórter da Rádio Globo de São Paulo e, a toda hora, Serginho o chamava de “Norminha”, personagem criado por Jô Soares em seu programa humorístico. Por pouco não chegaram às vias de fato.
Em Lisboa, as primeiras estripulias do Camisa 12
Logo no desembarque, Pacheco agitou bastante e uma banda de música, contratada pela empresa, o esperava. Foi um tremendo rebuliço no aeroporto, mas deu certo, pois parte da imprensa brasileira, e também da internacional, o procurou para entrevistas. Logo no primeiro treino, em Lisboa, Natan voltou a aprontar. Invadiu o campo e chutou a bola, sendo perseguido por jogadores e membros da comissão técnica. Na realidade, Pacheco estava se tornando uma celebridade. Segundo Natan, Medrado Dias, diretor da CBF, que o conhecia, pediu que maneirasse um pouco.
Finalmente, na Espanha, as primeiras partidas, as vitórias e o reconhecimento
Na primeira fase da Copa, na Espanha, mais precisamente em Sevilha, Pacheco, camisa 12, se misturou à torcida e a festa foi grande. Já tendo a identidade revelada, Natan foi entrevistado por inúmeras emissoras de televisão espanholas e até para a BBC de Londres. Explicou o projeto da empresa e o lançamento do torcedor símbolo. Segundo ele, aqueles momentos marcaram sua vida para sempre.
arquivo pessoal/NP |
Natan, famoso, com Roberto Dinamite |
Após a vitória contra a Argentina veio o clima do “já ganhou”
Depois da vitória contra a Argentina, exibindo um futebol que encantou a todos, um clima de “já ganhou” invadiu o espírito dos brasileiros. Pacheco ficava ainda mais famoso. A atmosfera era de tetracampeão do mundo e ninguém acreditava em derrota. Natan, entusiasmado, conversava abertamente com craques como Zico, Roberto Dinamite (que substituiu Careca, cortado por contusão), além de membros da equipe técnica e até com o presidente da CBF, Giulite Coutinho.
Foi quando então veio a “Tragédia do Sarriá”
E então veio a partida trágica contra a Itália, quando Paolo Rossi simplesmente acabou com os sonhos de milhões de brasileiros, dos torcedores que viajaram à Espanha e do nosso Pacheco – Camisa 12. O Brasil, que jogou o futebol mais bonito daquela Copa, estava eliminado. O sonho, mais uma vez, havia terminado.
O triste retorno e o consolo das malas cheias
A missão de Natan estava encerrada e, por decisão dele, não quis voltar com a delegação. Permaneceu alguns dias com a mulher, na Espanha, comprando presentes para a família e amigos. Voltou ao Brasil com mais de dez malas. Ele diz que a experiência foi fantástica e só faltou mesmo trazer o título de campeão.
Na volta ao Brasil, duro foi agüentar a sacanagem do Pasquim
De grande circulação na época, que contava com um time fantástico de articulistas, a maioria especializada em humor e reforçado pelo trabalho maravilhoso do cartunista Henfil, o tablóide O Pasquim era leitura obrigatória e sabia como lidar com a ditadura e com os assuntos de interesse do país. Quando chegou ao Brasil, Natan deparou-se com uma enorme charge, na primeira página do Pasquim. Ela exibia o Pacheco, com a camisa 24 e o título: “Este veado secou o Brasil”.
Daí em diante, o Pacheco sumiu de circulação e nunca mais reapareceu!
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